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Uma BMW, um Fit e um dia de caos

Atualizado: 27 de mai.



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Autora: Giu Simionato


Tem dias que me pergunto: como me enfiei numa dessas?


Recentemente, me envolvi num acidente de carro. Nada grave — na verdade, o carro da frente parou logo depois de uma curva e acabei tocando a traseira. Era um dia de muita chuva, minha filha falava sem parar, e, na hora do almoço, faço a curva a caminho da escola dela e... BUM! Olho para frente: uma BMW parada. Mandei aquela prece para Deus a jato: “Que não tenha estragado muito!” Afinal, não tenho seguro. (Não por não querer — mas não fazem seguros para carros da idade do meu.)


Assim que olhei, vi que, provavelmente, minhas orações foram atendidas. Foi só um toque. Mas a motorista do carro da frente, uma senhora, desce chorando copiosamente. Disfarço minha cara de choque — afinal, eu bati, né? Ela vem gritando:


— Você não viu?


— Não — o que mais eu poderia dizer? Ah, sim: — Desculpe.


— Meu Deus, meu Deus! Eu acabo de saber que uma pessoa morreu e agora isso!


Isso explicava por que ela havia parado tão distante do semáforo vermelho. Percebi que a coisa ia se alongar. Saí do carro debaixo da chuva intensa e me aproximei dela.


— Sinto muito. Tanto por bater no seu carro quanto por contribuir com seu dia terrível — falei com gentileza.


Ela me olhou, ainda chorando, e sentou no capô do meu carro: um Honda Fit 2005 que, muito em breve, não pagará nem IPVA.


— Você tem seguro?


— Não, mas vou arcar com o custo que houver no seu carro — respondi tranquila, me aproximando.


— Você ao menos tem emprego?


Gargalhei (internamente). Tem dias que até a melhor mãe parece uma indigente, tamanho o cansaço. E ali estava eu, debaixo da chuva, em minha própria defesa — e na dela.


— Tenho sim. Fique tranquila.


Para que entrar na questão de quão preconceituosa ela estava sendo? Eu usava um vestido simples de ficar em casa e havaianas. Meu carro claramente custa... menos de 3% do dela. Mas isso não faz de mim desempregada, né? Trabalho em home office, e minha filha não me deu tempo de me arrumar melhor. A prioridade era chegar à escola a tempo.


Ela seguia chorando debaixo da chuva, tremendo, e eu a meros 300 metros da escola da minha filha, que já estava solta da cadeirinha, buzinando no banco da frente e me chamando naquela eterna sirene que só mãe conhece:


— Mãe, mãe, mãe, mãe, mãe!


Ela tem 4 anos. Perdão.


Eu estou acostumada a raciocinar enquanto TUDO isso acontece. (Mais ou menos, né? Bati no carro dela, afinal.) Mas ela? Coitada.


Assumi as rédeas ou não sairíamos daquela chuva, a criança não iria para a escola e... não quero nem pensar como seriam as reuniões da tarde com ela em casa.


— Pelo que vi, não houve estrago grande, mas, se quando chegar em casa notar riscos ou amassados, posso te passar meu telefone?


Ela olhou para os lados, levantou do capô sujo do meu carro e sentou no banco de couro molhado do dela. Pegou o iPhone e ficou olhando para ele. Eu mantinha uma distância respeitosa, mas vi que precisaria assumir MESMO os fatos.


— Quer que eu coloque meu telefone?


Ela afastou o iPhone de mim!


O que ela achou? Que eu agarraria o celular e sairia correndo, deixando minha filha para trás? Quer dizer... ela dá trabalho, mas vale mais que um iPhone do ano.


Ela tentou encontrar onde anotar o número. Suspirei e tentei de novo:


— Quer que eu digite pra você? A senhora está nervosa.


Finalmente, ela me deu o celular. Operei quase no colo dela, pra que não achasse que eu ia fugir. Digitei: “Giulia batida de carro”.


Ela me olhou e disse:


— Põe seu sobrenome também.


— Simionato — completei.


— Eu posso ajudar com algo mais? — perguntei, e a vi suspirar.


— Você é muito gentil.


Ela falou surpresa, e eu ri (internamente, novamente).


Que mundo é esse? Uma pessoa bate na outra, que acabou de perder alguém, e ser gentil é surpreendente?


Será que ela percebeu os próprios preconceitos? Duvido. E isso é triste.


Mas não podia pedir mais nada a Deus. Ele já havia me ajudado com a BMW — e com a chance de não perder a paciência naquele mundo onde gentileza ainda choca.

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